Entre as muitas formas de preservar sabores e tradições, a conserva de Hana-Ume é uma daquelas delícias que surpreendem. Trata-se de uma receita feita a partir dos cálices da vinagreira, com origens no Japão, mas que foi adaptada pelos imigrantes japoneses ao contexto do Brasil.
Essa fusão gastronômica é um dos muitos presentes que essa comunidade trouxe para enriquecer nossa mesa.
A Hana-Ume, cujo nome evocativo significa literalmente “Flor-Ameixa” em japonês, é um testemunho dessa adaptação, utilizando um ingrediente abundante em solo tropical para recriar sabores e técnicas de conservação tradicionais do Japão.
Além de deliciosa, essa conserva é rica em antioxidantes e tem propriedades digestivas! Esses antioxidantes, como os flavonoides e antocianinas (responsáveis pela sua bela cor vermelha intensa), são poderosos aliados no combate aos radicais livres, contribuindo para a saúde celular e o bem-estar geral. As propriedades digestivas estão ligadas principalmente à sua acidez natural e às enzimas que podem se formar durante o processo fermentativo, estimulando sucos gástricos e facilitando a digestão.
A planta protagonista desta receita é verdadeiramente versátil e fascinante. A vinagreira é famosa por seus cálices, usados na confecção do popular chá de hibisco, mas suas folhas, flores e botões também são comestíveis!
Além dos cálices, as folhas da vinagreira são muito utilizadas para fazer um arroz de cuxá, prato tradicional da culinária maranhense. Fique ligado no canal Semente de Tudo para não perder essa receita cheia de sabor e tradição!
Sua beleza ornamental é um bônus adicional, com suas flores encantadoras e folhagem atraente.

Essa versatilidade faz dela uma excelente opção para uma horta doméstica ou mesmo para cultivo em vasos maiores.
Originária da África, ela se adaptou perfeitamente ao Nordeste brasileiro, onde também é chamada de ‘azedinha’ ou ‘quiabo-azedo’. Aqui, encontrou clima e solo favoráveis, espalhando-se com facilidade e tornando-se parte integrante da paisagem e da culinária regional, especialmente nos estados mais quentes.
Essa facilidade de cultivo e resistência a condições semiáridas a tornam uma planta valiosa para a segurança alimentar e nutricional.
Para entender melhor toda a riqueza que essa planta oferece, desde seu cultivo até outras formas de consumo além do chá e desta conserva, temos um vídeo bem completo falando sobre essa planta, que vale a pena conferir.
Parte utilizada para a receita Hana-Ume
Focando agora na nossa receita de Hana-Ume, o ingrediente estrela é uma parte específica da flor.
Nessa receita, a parte da flor que iremos utilizar é o cálice, que é o conjunto de todas as sépalas dessa flor.
Vale destacar a diferença entre o cálice (formado pelas sépalas) e a corola (formada pelas pétalas). Na vinagreira, após a polinização, as pétalas murcham e caem, enquanto o cálice passa por uma transformação notável.
As sépalas são estruturas semelhantes a pétalas, e têm a função de proteger as outras partes da flor. Envolvendo o botão floral, elas se modificam completamente após o florescimento.
Depois que as flores da vinagreira morrem, suas sépalas ficam grandes, vermelhas e suculentas. É nesse estágio, que elas atingem o ponto ideal para a colheita destinada à conserva Hana-Ume.

Para garantir o melhor resultado na conserva, a escolha dos cálices no momento certo é fundamental.
O melhor momento para colher os cálices é quando estão firmes, bem fechados e com uma coloração vermelho-rubi vibrante e intensa! Para manter o sabor e a textura, o ideal é colher pela manhã, quando a planta está hidratada!
Espécies diferentes de vinareira
É interessante notar que existem diferentes espécies de vinagreira.
Vejam que também temos a vinagreira roxa (Hibiscus acetosella).
Ela tem vários usos culinários, principalmente com suas folhas de coloração arroxeada intensa, que são ótimas em saladas ou refogadas, mas seus cálices não são tão desenvolvidos quanto os da outra (Hibiscus sabdariffa), que é a variedade mais comumente usada para o chá e para esta conserva.
A H. acetosella produz cálices menores e menos carnudos, que não acumulam tanta polpa suculenta, sendo menos ideais para a Hana-Ume tradicional.
Para explorar mais os usos dessa linda variedade roxa, seus cuidados específicos e receitas que a destacam, vejam o nosso vídeo que já fizemos sobre ela.
Como fazer a conserva Hana-Ume
Passemos então à execução prática da nossa Hana-Ume.
Como qualquer conserva, a higiene é o alicerce para o sucesso e a segurança alimentar, prevenindo contaminações indesejadas durante a fermentação.
Então, o primeiro passo para a realização dessa conserva é a higienização.
Deve-se lavar os cálices minuciosamente em água corrente, para remover as impurezas, terra, insetos ou eventuais resíduos, e depois deixá-los num escorredor, para que percam o excesso de umidade.
Lembre-se: a conserva é feita apenas com as sépalas da vinagreira.
Dentro do cálice, há um pequeno fruto fibroso que protege as sementes – e ele precisa ser removido antes do preparo.
Portanto, o passo seguinte da receita consiste em separar as sépalas do fruto da vinagreira.

Com esse procedimento a gente obtém de um lado os frutos, que contêm as sementes, e de outro as sépalas, que serão empregadas na confecção da conserva.
As sépalas soltas são o nosso “ouro vermelho” para a Hana-Ume.
Não precisa jogar fora os frutos com sementes!
Esses frutos irão liberar um grande número de sementes, que podem ser espalhadas pelo quintal, semeadas em sementeiras ou guardadas em local seco e arejado para plantio futuro, originando novas vinagreiras.
Quantidade de sal para a fermentação Hana-Ume
Com as sépalas limpas, separadas e secas, precisamos de uma medida precisa para o próximo ingrediente fundamental: o sal.
Para isso, é necessário pesar as sépalas, para calcular a quantidade de sal que iremos utilizar.
A quantidade de sal é um ponto crucial na fermentação natural (lactofermentação). Ele inibe bactérias indesejadas, favorece as bactérias lácticas benéficas, extrai a água das células vegetais formando a salmoura e contribui para a textura e sabor final.
Tradicionalmente, essa conserva é feita com bastante sal, em concentrações que chegam a mais de 10%. Isso resulta numa conserva mais salgada.
Visando um produto final um pouco menos salgado, que desenvolve sabores complexos, vamos fazê-la com um pouco menos de sal, numa concentração de 5%. Essa concentração ainda é segura para a fermentação.
Então, para os 230 gramas de sépalas que obtivemos, iremos empregar cerca de 12 gramas de sal (230g * 0,05 = 11,5g, arredondando para 12g).
Utilizar uma balança de precisão é altamente recomendado para acertar essa proporção.
Hora de fermentar!
Agora começa o processo de preparação ativa: é hora de misturar o sal e massagear as sépalas com as mãos limpas, aplicando uma pressão suave mas firme, para que elas comecem a perder água e murchar.
Massageie por alguns minutos (cerca de 3-5 minutos), até sentir que as sépalas começam a amaciar e liberar um pouco de líquido no fundo da tigela. Esse líquido é essencial para formar a salmoura natural.
Em seguida, deve-se dispor essa mistura de sépalas, sal e líquido liberado em um recipiente raso e limpo (como uma tigela ou travessa) e colocar sobre ela algum tipo de peso (como um prato pequeno que caiba dentro do recipiente, ou um saco plástico limpo cheio de água), para acelerar o processo de perda de água das sépalas.
Deixe repousar assim por algumas horas (2 a 4 horas é suficiente), à temperatura ambiente. O peso ajuda a compactar as sépalas e extrair mais líquido por osmose.
Após esse período de repouso sob peso: Vejam que após um certo tempo, as sépalas já murcharam um pouco, estão mais macias, e nota-se que houve liberação de um pouco mais de líquido da mistura.
Há uma pequena poça de salmoura vermelha no fundo do recipiente. Esse é o sinal de que o processo de salga inicial foi bem-sucedido.
Estamos prontos para a fase de fermentação propriamente dita.
Esse é o momento de transferir esse material – sépalas e todo o líquido liberado – para um vidro, previamente esterilizado (por fervura ou com álcool 70%), para realizar a fermentação. O vidro deve ser de tamanho adequado para que o conteúdo fique bem compactado, de preferência quase cheio, minimizando o contato com o ar.
O procedimento aqui é o mesmo adotado para a confecção do chucrute, que já exibimos no nosso canal.
Deve-se compactar bem o material no vidro, utilizando um pilão, um cabo de madeira ou mesmo os dedos (higienizados), pressionando com força para expulsar as bolhas de ar, para a retirada do ar, e depois colocar sobre ele algum tipo de peso, para o que a mistura fique submersa no líquido.
Se necessário, adicione uma solução de água com sal a 5% (5g de sal por 100ml de água) para cobrir.
É IMPRESCINDÍVEL que todo o material vegetal fique completamente coberto pela salmoura. Qualquer parte exposta ao ar pode mofar e estragar todo o lote.

Nós estamos usando uma pedra, devidamente higienizada, e também algumas folhas de saião (Kalanchoe pinnata), que servem apenas para ajudar a submergir as sépalas na salmoura.
Outras folhas, como couve ou repolho, também poderiam ser utilizadas. O importante é que seja uma folha limpa e resistente o suficiente para ser colocada sobre as sépalas e sob o peso, criando uma barreira física que impeça que elas subam à superfície.
Feche o frasco de forma não hermética para permitir a saída dos gases da fermentação. Pode-se usar uma tampa frouxa, uma tampa com válvula de fermentação, ou cobrir o gargalo com um pano limpo fixado com um elástico.
O ambiente ideal para a fermentação é um local fresco e bem ventilado.
Tempo de fermentação
Agora é aguardar, por cerca de uma semana, para que a fermentação ocorra.
Verifique diariamente nos primeiros dias: você deve ver pequenas bolhas subindo (sinal de que a fermentação está ativa) e deve garantir que o material permaneça submerso.
O tempo exato pode variar com a temperatura; em climas mais quentes pode ser mais rápido.
Após esse período de transformação microbiana, o sabor e a textura vão evoluindo: as sépalas se tornam mais macias, porém ainda com uma agradável textura, e adquirem um sabor indescritível! Complexo, ácido, umami, ligeiramente salgado e com nuances florais que se aprofundaram. É um sabor único, difícil de comparar com qualquer outra conserva.
Guarde em um vidro fechado na geladeira após a fermentação desejada, onde a conserva se manterá por vários meses.
Como utilizar a conserva de vinagreira?
Com sua acidez característica agora temperada pela fermentação, essa conserva pode acompanhar vários pratos.
Experimente-a como um condimento vibrante: picadinha sobre arroz branco, feijão ou lentilhas; como um contraponto ácido em sanduíches e wraps (especialmente com queijos cremosos ou patês); misturada em saladas verdes ou de grãos para dar um toque especial; ou mesmo como um acompanhamento sofisticado para pratos principais.

Além de conferir sabor, ela irá colorir tudo o que tocar com sua tonalidade característica vermelho-rubi intenso e vibrante, adicionando um apelo visual maravilhoso ao prato.
A Hana-Ume é mais do que uma simples conserva; é um pedaço de história, um exemplo de adaptação cultural e um verdadeiro tesouro gastronômico que podemos produzir em casa, valorizando um ingrediente muitas vezes subutilizado.
As sépalas da vinagreira têm um sabor ácido e floral, perfeito para conservas. Esse perfil de sabor único – uma acidez vívida e refrescante combinada com notas florais sutis – é o que torna a Hana-Ume uma iguaria tão especial e versátil na cozinha.
Não é uma maravilha? Aproveitar a abundância da natureza, transformá-la através de um processo milenar e obter um alimento saboroso, nutritivo e cheio de personalidade?
Se você se encantou por essa receita de Hana-Ume, pela versatilidade da vinagreira ou pela magia da fermentação natural, comente o que achou e se já conhecia essa conserva! Compartilhe com amigos que amam gastronomia e plantas!
Você também pode acompanhar todo o processo pelo vídeo:
Esperamos que tenham gostado! Até mais pessoal!